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1509-1564 |
"...Porventura a sé apostólica se encontra onde nada vemos senão horrenda apostasia? Será vigário de Cristo quem, perseguindo o evangelho com furiosas arremetidas, se professa abertamente ser o Anticristo? Será sucessor de Pedro quem, a demolir tudo quanto Pedro edificou, investe com ferro e fogo? Será cabeça da Igreja aquele que a esmiúça e despedaça, desmembrando-a da única e verdadeira Cabeça, Cristo? Admitamos que Roma outrora fora a mãe de todas as igrejas. Mas desde que começou a ser a sede do Anticristo deixou de ser o que fora antes."(...)
(...) A alguns parecemos demasiadamente maledicentes e insultuosos quando chamamos Anticristo ao pontífice romano. Aqueles, porém, que sentem isto não se dão conta de que estão a censurar a Paulo de descomedimento de linguagem, porque falamos de acordo com o que ele falou. E para que alguém não objete, dizendo que torcemos indevidamente as palavras de Paulo em relação ao pontífice romano, as quais dizem respeito a outrem, mostrarei em termos breves que não podem ser entendidas de outra forma senão a respeito do papado. Paulo escreve que o Anticristo haverá de assentar-se no templo de Deus [2Ts 2.4]. Em outro lugar, descrevendo-lhe também a imagem na pessoa de Antíoco, o Espírito mostra que seu reino haverá de estar situado em magniloquência e blasfêmias contra Deus [Dn 7:25; Ap 13:8]. Daqui concluímos ser uma tirania sobre as almas mais do que sobre os corpos, que se exalte contra o reino espiritual de Cristo. Em segundo lugar, tal tirania não consiste em que se suprima o nome de Cristo e da Igreja, antes, ao contrário, que abuse do pretexto de Cristo e sob o título de Igreja, como se escondesse sob uma máscara. Mas, se bem que todas as heresias e facções que existiram desde o início pertençam ao reino do Anticristo, no entanto, como Paulo prediz haver de vir uma apostasia [2Ts 2:3], com esta descrição significa que aquele assento da abominação haverá então de erigir-se quando uma como que apostasia universal tiver ocupado a Igreja, ainda que muitos membros da Igreja, esparsamente, perseverem na verdadeira unidade da fé. Quando, porém, adiciona que em seu tempo o Anticristo já havia começado a edificar o mistério da iniquidade [2Ts 2:7], que depois haveria de fazer abertamente, disso entendemos que esta calamidade não haveria de ter sido introduzida por um só homem, nem num único homem se haveria de encerrar. Com efeito, quando Paulo assinala com esta marca o Anticristo: que arrebatará de Deus sua honra a fim de assumi-la para si [2Ts. 2:4], este é o principal indício que devemos seguir em busca do Anticristo, especialmente quando orgulho desta natureza procede até ao desmantelamento público da Igreja. Como, porém, esteja patente que o pontífice romano transferiu impudentemente para si o que era próprio exclusivamente de Deus e especialmente de Cristo, não há como duvidar-se de que ele seja chefe e vanguardeiro de um reino ímpio e abominável.”...
João Calvino - As Institutas da Religião Cristã - Edição Clássica (LIVRO IV - CAPÍTULO VII.24-25), p. 144-145 - Ed. Cultura Cristã.
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